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O medo da onça!

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Paranavaí surgiu em meio ao habitat das onças

Onças abatidas por caçadores de Graciosa (Acervo: Casa da Cultura)

Nas décadas de 1930 e 1940, era comum os moradores da Fazenda Brasileira, atual Paranavaí, no Noroeste do Paraná, se depararem com cobras, antas, jaguatiricas, catetos, queixadas, macacos e veados-campeiros por causa da proximidade da área urbana com a mata. Mas nenhum desses animais assustou tanto a população quanto as onças-pintadas e pardas que viviam na região.

“Tinham que tocar elas para continuarem o trajeto”

Paranavaí surgiu em meio ao habitat de uma população de onças. A justificativa está em um fato corriqueiro percebido no início dos anos 1940, quando muitos migrantes que vinham para cá viveram a mesma experiência. Durante a viagem para cá, motoristas de ônibus e caminhões eram obrigados a parar os veículos porque as onças não davam passagem.

“As pessoas [até mesmo os passageiros] tinham que dar um jeito de tocar elas para continuarem o trajeto. A gente via também anta e cascavel na estrada”, relatou o pioneiro paulista José Ferreira de Araújo, conhecido como Palhacinho, em entrevista à Prefeitura de Paranavaí décadas atrás.

Tamanduá-Bandeira caçado nos anos 1950 (Foto: Francisca Schueroff)

Nem todos queriam afastar as onças. Alguns pioneiros que se arriscavam como caçadores, mesmo inexperientes, tentavam conquistar prestígio adentrando a mata para abater os animais. Contava-se muito com a sorte, algo que nem sempre os acompanhava. Quem aprendeu isso na prática foi um caçador amador do Povoado de Guaritá (atual Nova Aliança do Ivaí), antiga Derrubada Grande, vitimado por duas onças nos anos 1940.

“Tiraram carne de algumas partes para colocar em outras”

O rapaz estava caçando em companhia de alguns cães quando viu três onças empoleiradas em uma árvore. Não pensou duas vezes e atirou em uma. Ao ser atingido, o animal caiu e foi atacado pelos cães. “As outras duas onças pularam em cima do homem e começaram a rasgar as suas costas e nádegas. Quando os cachorros chegavam perto, aí que elas mordiam. Nisso, o rapaz já tinha jogado a espingarda e ficou lá deitado, então as onças correram pro mato”, frisou Palhacinho.

Quem socorreu a vítima foi o pioneiro Lourencinho Barbosa que o trouxe de carroça até Paranavaí. “Tiveram de tirar carne de algumas partes para colocar em outras. Ele passou por uma cirurgia em Curitiba e voltou aqui depois de três meses, todo deformado”, lembrou José Ferreira. O pioneiro mineiro Enéias Tirapeli jamais esqueceu o dia em que um homem chegou a Paranavaí com uma onça morta, deitada sobre o cavalo. “Até os animais se espantaram. O bicho tinha doze palmos de comprimento”, assegurou.

Cães de caça usados na época da colonização (Foto: Francisca Schueroff)

Na época, vivia aqui José Beletam que se tornou um dos maiores caçadores do Paraná depois que abriram a estrada para o Distrito de Piracema. Beletam matava até duas onças por dia. “Não esqueço quando ele chegou aqui com a onça debruçada no arreio do cavalo. Era tão grande que o focinho alcançava o chão”, contou o pioneiro cearense Raimundo Leite, acrescentando que Arlindo Baiano era outro grande caçador local.

“A onça arrancou cinco quilos de carne com uma mordida na nuca”

Se por um lado, alguns conseguiam prestígio e fama matando onças, por outro, a maioria preferia nunca encontrar o animal. Exemplo disso foi o pioneiro paulista Paulo Tereziano de Barros quando certa noite, retornando de viagem, parou em um rancho para descansar.

“As portas estavam fechadas e quando abriram perguntei do que eles estavam com medo. Aí me mostraram uma enorme porca de quem a onça arrancou cinco quilos de carne só com uma mordida na nuca”, enfatizou Tereziano de Barros que sentiu cheiro de onça durante todo o trajeto de volta a Paranavaí. Naquele tempo, o receio de encontrar o animal fazia muita gente pensar duas vezes antes de adentrar a mata ou sair de casa à noite.

Nos anos 1930 e 1940, foram registrados muitos casos de animais de criação mortos pela felina. “Uma vez o irmão do Pedro Palmiano foi ver a porcada dele e a onça estava comendo um porco. Ele ficou com tanta raiva que atravessou o animal com uma foice e um facão”, assinalou Paulo Tereziano. Também houve casos de mulheres que foram atacadas enquanto tomavam banho e lavavam roupas às margens do rio.

De acordo com o pioneiro catarinense Carlos Faber, os mais desatentos eram facilmente surpreendidos pelas onças. “Teve o caso de um rapaz que foi atacado por duas. Sorte dele que os companheiros vinham logo atrás e mataram os bichos”, ressaltou. O pioneiro paulista Valdomiro Carvalho perdeu as contas de quantas vezes ouviu barulho de onças na mata. “Eu usava uma carrocinha com dois cavalos e sempre carregava um encerado. Ouvia os bichos de noite quando eu pousava em algum lugar”, salientou Carvalho.

“Você já viu homem pegar onça assim?”

Nos anos 1940, o pioneiro José Ferreira de Araújo foi visitar o primo em Paraguaçu Paulista, interior de São Paulo. Em viagem a cavalo, passando por Santo Inácio e Guaraci, no Norte Central Paranaense, Araújo trouxe alguns cães de caça. O pioneiro seguiu pela Estrada Boiadeira, nas imediações de Santa Fé e Arapongas. “Era muito suja a Boiadeira, muito fechada. Tanto que eu tive que enrolar uns panos na cabeça porque tinha muitas abelhas e teias de aranha. Os cachorros até se enrolavam nos cipós. Na volta, a gente foi parar no Distrito de Sumaré”, disse.

A viagem que já era muito difícil ficava pior ainda quando escurecia e Palhacinho parava em algum lugar para dormir. O medo de onça era tão grande que o pioneiro colocava os animais de um lado e deitava “beirando o fogo”. Outro episódio jamais esquecido aconteceu quando ele e o companheiro Ulisses perseguiram uma onça ao final de uma corredeira no Rio Ivaí. “A água estava muito forte e ela nadava rio abaixo. O Ulisses me falou para correr e pular no bote. Liguei o motor e fomos atrás dela. Quando chegamos perto que vimos que era uma onça grande”, explicou.

Ulisses pediu que José Ferreira se aproximasse mais do animal para que pudessem pegá-la viva. “Aí eu falei: pegar nada! Você tá louco? Você já viu homem pegar onça assim?”, relembrou. Os dois continuaram seguindo o animal até que ele saiu do outro lado do Rio Ivaí. “O Ulisses passou a mão na espingarda e atirou, mas errou e ela sumiu”, revelou Palhacinho.

Saiba Mais

Na década de 1950, onças ainda invadiam propriedades rurais de Paranavaí.

Naquele tempo, não havia preocupação quanto a preservação de muitas espécies de animais.

O dia em que a água acabou

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Em 1957, Joaquim Pereira Briso abasteceu Terra Rica com água de um poço particular

Moradores exibem como troféu a água trazida do centro de Terra Rica (Crédito: Reprodução)

Moradores exibem como troféu a água trazida do centro de Terra Rica (Foto: Reprodução)

Em 1956, durante a colonização, a população de Terra Rica, no Noroeste do Paraná, enfrentou muitas dificuldades envolvendo saneamento básico. Mas o diferencial veio no ano seguinte, quando uma eventualidade fez um serrador se tornar o principal fornecedor de água da cidade.

De acordo com o pioneiro Antônio Carlos Lage, ex-vice-prefeito e ex vereador, a população de Terra Rica enfrentou problemas com o abastecimento de água de janeiro de 1957 a 1970. À época, o município ainda não tinha sistema de saneamento. “A gente tinha que buscar água em um caminhão pipa que ficava parado no centro”, conta Lage.

Segundo o pesquisador Edson Paulo Calírio, a situação era tão complicada que muitos moradores perdiam horas do dia carregando grandes baldes até a região central, onde os enchiam com água e, mesmo muito pesados, percorriam quilômetros até chegar em casa. Naquele tempo, o déficit era tão grande que as famílias se reuniam para decidir se a água seria usada para lavar roupa ou louça.

Centro da cidade na época da chegada de Joaquim Briso (Crédito: Reprodução)

Centro da cidade na época da chegada de Joaquim Briso (Foto: Reprodução)

Tudo ficou mais difícil em 1957, quando, certo dia, os moradores foram até o centro da cidade e não encontraram água. O problema se tornou calamidade ao saberem que, por uma eventualidade, ficariam sem o caminhão pipa por tempo indeterminado. O veículo era o único meio para transportar a água do rio até o cidade. “Terra Rica foi fundada por pessoas pobres e humildes. Então naquele tempo era difícil encontrar alguém com condições financeiras para fazer um poço”, relata o pioneiro Joaquim Luiz Pereira Briso.

Naquele ano, Briso era o único morador de Terra Rica que tinha um poço. Segundo ele, não como um artifício de luxo, mas de necessidade, pois constantemente precisava de água no trabalho. “Eu tinha uma serraria, e o poço foi feito ali mesmo pra abastecer a minha máquina a vapor. Mas quando soube do problema, resolvi ajudar. No mesmo dia, o pessoal foi lá buscar água. Alguns iam a pé, outros iam de carroça”, lembra Joaquim Briso emocionado.

O pioneiro passou dias sem dormir ajudando a população a tirar água do poço que tinha pouco mais de 50 metros de profundidade. Segundo Antônio Lage, era uma época de muita solidariedade. “As pessoas naturalmente tinham muito calor humano para dar”, salienta o ex-vice-prefeito em tom calmo e reflexivo.

No início da década de 1960, as primeiras torneiras foram instaladas no centro de Terra Rica. Porém, Edson Calírio reitera que a água ainda era limitada. “Agora a gente vê a recompensa. Não dependemos diretamente do governo estadual. Temos uma autarquia municipal que oferece água e rede de esgoto para toda a população. Além disso, a nossa água atualmente é a mais barata do Paraná”, assegura o pesquisador.

“Viajava porque era obrigado”

O pioneiro Joaquim Luiz Pereira Briso chegou a Terra Rica em 1956, já com a intenção de construir uma serraria. “Dava para contar nos dedos das mãos quantas casas tinha aqui”, afirma Briso que descobriu a cidade por acaso.

Durante uma viagem, deixando a cidade natal de Paraguaçu Paulista, em São Paulo, Joaquim Briso atravessou a fronteira com o Paraná e chegou ao Porto São José. Viajou motivado pela curiosidade. “Tinha só um boteco montado aqui. O resto, era só mata, daqui até Nova Londrina”, explica.

Surpreso pela quantidade exorbitante de terras devolutas, o pioneiro não pensou duas vezes e decidiu começar uma nova vida no Paraná.  Retornou a Paraguaçu Paulista para avisar os familiares e se mudou para Terra Rica.

A motivação foi determinante para aguentar uma nova viagem de 14 horas dentro de um jipe. “Não existia nem estrada, só carreador. Então viajar naquele tempo era visto como coisa de aventureiro”, conta o pioneiro. Joaquim Luiz tinha pouco ou nenhum prazer durante as viagens, já que toda vez corria o risco do veículo atolar. Segundo o pioneiro, era muito comum encontrar caminhões e carros abandonados pelo caminho.

“Viajava porque era obrigado. Tinha negócios em São Paulo e no Rio de Janeiro. Então pegar a estrada era uma luta. Saía daqui hoje para chegar a uma cidade próxima amanhã. Quando viajava, demorava uns dias pra voltar, cansava demais”, revela.

À época, os moradores de Terra Rica mantinham mais contato com Estados da região Sudeste do que do Sul. “Nossa ligação era com o Estado de São Paulo”, complementa Briso em referência aos primeiros pioneiros que eram paulistas.

Viagem a Paranavaí durava cinco horas

Até o final da década de 1950, uma viagem de Terra Rica a Paranavaí durava em média cinco horas. O pioneiro Antônio Carlos Lage é testemunha disso. Ele e o também pioneiro Joaquim Luiz Pereira Briso tinham negócios com o Banco Comercial, então quando precisavam vir a Paranavaí, iam até um boteco em frente a Estação Rodoviária de Terra Rica e convidavam mais pessoas para viajarem de graça.

Antônio Lage buscava pessoas em frente a Estação Rodoviária (Crédito: Reprodução)

Antônio Lage buscava pessoas em frente a Estação Rodoviária (Foto: Reprodução)

Mas a cortesia de vez em quando tinha um preço. Quando o jipe atolava, todo mundo tinha de descer e ajudar. “Eram 60 quilômetros. Hoje, um trajeto curtíssimo. Naquele tempo, por causa da precariedade da estrada, parecia que estávamos no fim do mundo”, avalia Lage que, acompanhando Joaquim Briso, chegou a Terra Rica em 1956.

Briso se recorda com clareza de outra desventura muito comum na década de 1950: o atraso na entrega de correspondências. Certa vez, a mãe de Joaquim Briso adoeceu e, como não havia serviço telefônico na região, a mulher do então serrador enviou um telegrama para informá-lo do acontecido.

A correspondência despachada de Paraguaçu Paulista, São Paulo, chegou em Terra Rica depois de 20 dias. “Fiquei aqui seis dias e depois decidi viajar para a minha terra. Quando cheguei lá, vi minha mãe doente. Fiquei uns dias lá e retornei. Passaram-se mais uns dias antes do telegrama chegar”, assinala Joaquim Luiz.

Frases de destaque – Antônio Carlos Lage

“Tudo faz parte do começo de uma cidade, mas ela não se faz logo com tudo, surge aos poucos.”

“Terra Rica é uma cidade onde um dava a mão ao outro, até por questão de necessidade.”

Saiba mais

Em 1965, Terra Rica chegou ao ápice da produção cafeeira: 400 mil sacas de café beneficiado.

A colonização de Terra Rica foi feita por pioneiros paulistas que vieram ao Paraná com a intenção de produzir café.

As derrubadas de mata começaram em 1949 e se intensificaram de 1950 a 1952.

A colonização de Terra Rica foi feita pela Sociedade Imobiliária do Noroeste do Paraná (Sinop).