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Os torneios de luta livre do Seu Ferreira

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Seu Ferreira era o destaque de Paranavaí quando o assunto era entretenimento

Luta livre começou a ser realizada em Paranavaí nos anos 1940 (Foto: Reprodução)

No final dos anos 1940 e na década de 1950, um homem conhecido como Seu Ferreira era o destaque de Paranavaí, no Noroeste do Paraná, quando o assunto era entretenimento. Numa época em que havia poucas opções de lazer, o pioneiro surpreendeu todo mundo ao realizar torneios de luta livre com alguns dos praticantes mais célebres do Paraná e do Brasil.

Até 1945, Paranavaí ainda era um povoado isolado. Em dias de sol, aparecia um ônibus por dia na Colônia. E quando chovia, não chegava ninguém. Naquele tempo, era difícil não se incomodar com a monotonia, pois diversão era algo que não fazia parte do cotidiano da população. “Isso mudou quando apareceu o Seu Ferreira, um homem de idade avançada. Era ele quem animava o lugar. Que divertia a gente”, contou o pioneiro paulista José Ferreira de Araújo, conhecido como Palhacinho, em entrevista à Prefeitura de Paranavaí décadas atrás.

O homem, chamado por todo mundo de Seu Ferreira, era o maior símbolo de alegria e diversão de Paranavaí. Logo que chegou ao povoado, percebeu que a vida da maioria se limitava ao trabalho. Então tomou a decisão de fazer a diferença. Ferreira viajou sozinho até Curitiba e de lá trouxe alguns dos mais célebres nomes da luta livre, como Cabeludo, Tarzan, Taturana e mais outros que lutaram também fora do Brasil.

Torneios ocorriam onde mais tarde surgiu a Livraria Santa Helena (Foto: Reprodução)

As primeiras lutas foram realizadas na região central, onde mais tarde surgiu a Livraria Santa Helena, na Avenida Paraná. Lá, Ferreira estendia um tapete de 12 metros de comprimento por 12 metros de largura, mas o confronto ocorria em um espaço de sete metros.

Quem ultrapassasse o limite permitido para o duelo perdia pontos, e o acúmulo de punições podia resultar na vitória do adversário. Pioneiros lembram que sempre venciam as lutas quem dava os melhores golpes e conseguia segurar o adversário no chão por dez segundos. O ideal era imobilizar e manter o ombro do oponente contra a lona.

Golpes baixos faziam parte do show, embora fossem reprovados. Era uma forma de despertar mais a atenção do público. Joelhadas, cotoveladas, puxadas de cabelo e de orelha, golpes nas genitais, pescoço e pé estavam entre as ações que custavam pontos ao lutador. Os torneios eram tão divertidos que até mesmo quem não gostava de luta não hesitava em assistir. “De noite, todo mundo ia pra lá. Todo mundo mesmo. A gente saía mais cedo de casa e assistia tudo”, relatou o pioneiro José Araújo.

As touradas e as farras do boi

Mais tarde, a população começou a buscar mais opções de diversão. O pioneiro paulista Valdomiro Carvalho realizou as primeiras touradas e farras do boi em Paranavaí, onde se situa hoje o antigo Terminal Rodoviário, na região central. Os animais, normalmente bois mansos, eram trazidos do Mato Grosso. “O compadre amarrava tiras de couro ou crina na virilha dos bichos. Eles ficavam bravos, pulavam e investiam no meio do povo”, enfatizou Palhacinho.

No mesmo período, ocorreram corridas de cavalo em Paranavaí. Os vencedores quase sempre eram Zico Aires e Rossi Aires. “A gente tinha que ir a pé porque não tinha condução. Era bem longe, lá onde funcionava a Matarazzo. Todo mundo ia porque não tinha outra coisa pra ver”, afirmou Araújo.

Outro costume da época era o de reunir bandos e ir a cavalo até a área onde surgiu o Sumaré, distrito de Paranavaí, para buscar jabuticaba. “A gente saía daqui com latas de querosene. Era o nosso passatempo quando aqui não existia piscina e nem clube”, salientou Palhacinho. Quem também ofereceu diversão a população foi o pioneiro João Carraro, um dos poucos que tinha rádio na colônia. Muita gente ia todas as noites até a casa do pioneiro para acompanhar a programação da Rádio Nacional. “Ali a gente passava a noite, conversava e ria muito”, revelou José Ferreira.

Um sonho de futebol

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Natal Francisco, o pioneiro que sempre acreditou no futebol local

Fundado em 1946, o Atlético Clube Paranavaí não existia sem o empenho de Natal Francisco (Foto: Reprodução)

Fundado em 1946, o Atlético Clube Paranavaí não existiria sem o empenho de Natal Francisco (Foto: Reprodução)

Há poucos jovens em Paranavaí, no Noroeste do Paraná, que já ouviram falar em Natal Francisco, o pioneiro a quem o Atlético Clube Paranavaí (ACP) deve muito. Francisco foi o responsável pela construção do primeiro estádio de futebol da cidade, uma conquista altruísta numa época de sonhos coletivos.

O pioneiro paulista Natal Francisco veio para a região Noroeste do Paraná pela primeira vez acompanhado do irmão José Francisco. Saíram de Presidente Prudente, interior de São Paulo, com a intenção de conhecer a tão falada Fazenda Brasileira, atual Paranavaí. Logo de cara, não acharam o lugar receptivo, então ficaram aqui oito dias e retornaram ao interior paulista. Em 1944, Natal Francisco voltou com a família e fixou residência em Paranavaí.

Apaixonado por futebol, a primeira iniciativa do pioneiro quando se mudou para cá foi conversar com o administrador geral da colônia, Hugo Doubek, sobre a possibilidade de conseguir um terreno para a criação de um campo de futebol. “O Hugo autorizou que eu abrisse uma picada até onde achasse melhor, a partir daí um engenheiro iria demarcar a área e entregar o terreno”, explicou o sapateiro Natal Francisco em entrevista à Prefeitura de Paranavaí décadas atrás.

Francisco escolheu um espaço onde é atualmente a Praça dos Pioneiros. Lá, mediu com os passos uma área de 280 por 200 metros quadrados. “Então fui pra Curitiba conversar com o governador Moisés Lupion. Fiz um requerimento em nome do Atlético Clube Paranavaí (ACP) e falei pra ele que queria o terreno. Mostrei o rascunho do engenheiro com detalhes do campo oficial para os jogos profissionais, um campinho para a rapaziada, uma piscina e a sede”, relatou.

Lupion então concedeu o terreno a Natal Francisco para a construção do primeiro estádio local. Empolgado, o pioneiro fez um acordo com o marceneiro José Ebiner que ajudou fornecendo madeiras a preço de custo. “Também contamos com a ajuda de alguns paraguaios. Eles quem transportavam e escolhiam as melhores peças para fazer as tábuas e as balaustres”, revelou Francisco.

Sapateiro foi o responsável pela construção do primeiro estádio do ACP (Foto: Reprodução)

Todo mundo ajudou na construção

Quando aparecia algum caminhão na colônia, o sapateiro pedia para ajudarem a transportar as toras até a serraria de Ebiner, acelerando o trabalho. “Em troca disso, a gente pagava as despesas do caminhão”, enfatizou o pioneiro, acrescentando que todo mundo participou da construção do estádio.

Sob comando do sapateiro, o campo, que anos mais tarde recebeu o nome de Estádio Municipal Natal Francisco, não demorou para ficar pronto. O próprio pioneiro cercou o campo com balaustres e construiu a sede quando não estava trabalhando na sapataria que tinha na esquina da Rua Getúlio Vargas com a Rua Minas Gerais.

Pela construção do estádio, o sapateiro apaixonado por futebol e por Paranavaí desde os tempos de Fazenda Brasileira nunca recebeu nada, a não ser a satisfação de admirar a sua criação e também ver a alegria de tantas pessoas que tinham como único lazer os jogos do Atlético Clube Paranavaí (ACP).

“Quantos não riram e choraram durante os jogos oficiais do ACP naquele estádio que ficava na Praça dos Pioneiros? A gente deve isso ao Natal Francisco, homem que criou um estádio com as próprias mãos, coisa que não existe hoje em dia”, comentou o pioneiro cearense João Mariano que atribui a existência e longevidade do Atlético Paranavaí ao sapateiro.

Muitos pioneiros destacam que o surgimento do primeiro campo oficial de futebol aproximou mais a população e também ajudou a superar os momentos de dificuldade. “Tinha gente que ficava a semana toda na expectativa de assistir a um jogo, isso animava mesmo as pessoas”, assegurou Mariano. Para o pioneiro mineiro José Antonio Gonçalves, Natal Francisco não teve o devido reconhecimento. “Ele foi um homem que deu tanto por Paranavaí. Hoje é praticamente esquecido”, reclamou Gonçalves.

Três mil réis em troca do terreno do estádio

Antes de construir o estádio de futebol na década de 1940, logo após a aquisição do terreno, o sapateiro Natal Francisco foi coagido por um morador local que tinha outros planos para o lugar. “O cara me ofereceu três mil réis em troca do terreno. Eu não aceitei porque já tinha feito a doação ao povo, era uma homenagem a eles. O indivíduo disse que nunca viu um sujeito bobo igual a mim que precisa de dinheiro e não aceita uma boa proposta”, declarou.

Em réplica ao homem, o sapateiro declarou que ganhava o suficiente para o sustento da família e ainda rebateu que a colônia cresceria muito. Irritado, o sujeito se comprometeu a ir até Curitiba fazer o possível para comprar pelo menos metade do terreno. À época, Natal Francisco ficou preocupado e decidiu ir até a capital com o seu Ford 29, movido a gasogênio.

“Meti uma muda de roupa dentro do carrinho e disse pra minha mulher que iria resolver a situação. Cheguei lá num dia pela manhã. Fui ao palácio do governo, mas o guarda não me deixou entrar”, confidenciou o pioneiro que gastou dinheiro do próprio bolso na viagem que durou dias por causa da precariedade das estradas.

Francisco insistiu para que o homem lhe fizesse um favor. “Pedi ao guarda para dizer ao governador que o Natal Francisco, de Paranavaí, precisava muito falar com ele”, lembrou. Dado o recado, sem demora, Moisés Lupion que estava dormindo se levantou e ainda de pijama foi atender o sapateiro. Lupion o convidou para entrar e tomar café. A obstinação do pioneiro chamou a atenção do governador que o qualificou como “um sujeito cem por cento”.

“Falou que se alguém tivesse a capacidade de ir a Curitiba para pegar um palmo daquela terra bastaria entregar a ele o nome da pessoa”, enfatizou. Ao final da conversa, Moisés Lupion afirmou que a terra já era do sapateiro e ainda garantiu a ele que dois dias após aquele encontro o título da terra estaria na colônia. Foi exatamente o que aconteceu.

Saiba Mais

Em 1961, o presidente do Atlético Clube Paranavaí (ACP), Waldemiro Wagner, construiu as arquibancadas do Estádio Natal Francisco e também o cercou com alambrado.

Na década de 1970, o Estádio Municipal Natal Francisco foi transferido para o Sumaré, distrito de Paranavaí.

Frase do pioneiro João da Silva Franco

“A única diversão daqui era o futebol. O campo de futebol foi feito pelo braço do povo”.