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Um papo com Augustinho Borges

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Eu e Augustinho Borges conversando na Fundação Cultural de Paranavaí (Foto: Amauri Martineli)

Eu e Augustinho Borges conversando na Fundação Cultural de Paranavaí (Foto: Amauri Martineli)

Eu e Augustinho Borges conversando na manhã de 15 de dezembro de 2014 na Fundação Cultural. Augustinho é uma figura histórica de Paranavaí, no Noroeste do Paraná. Até hoje guarda um cheque de 68 mil cruzeiros assinado pelo controverso capitão Telmo Ribeiro, homem respeitado e temido em Paranavaí nos tempos da colonização.

Até 1964, o capitão foi um dos maiores clientes de Borges na empresa Reta Táxi Aéreo. “Era muito educado e só andava bem vestido. Tinha um Pontiac automático que chamava atenção por onde passava”, lembra. Augustinho jamais se esqueceu do dia em que recebeu uma ligação do ex-governador Leonel Brizola pedindo que ele buscasse o corpo do seu cunhado Raphael Azambuja, covardemente assassinado na Gleba Areia Branca do Tucum a mando de grileiros. O corpo de Azambuja foi enviado para Porto Alegre em um táxi-aéreo da Reta.

Written by David Arioch

janeiro 7, 2016 at 10:32 pm

Quando Zé Boca Mole correu atrás do avião do governador com um pedaço de pau

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Augustinho Borges: "O Zé era um sujeito gente boa que um dia passou por uma situação muito engraçada" (Foto: Amauri Martineli)

Augustinho Borges: “Sempre foi um sujeito gente boa, mas que um dia passou por uma situação muito engraçada” (Foto: Amauri Martineli)

No início dos anos 1960, o gerente da Reta Táxi Aéreo de Paranavaí, no Noroeste do Paraná, Augustinho Borges, tinha um funcionário que era o responsável por limpar e polir os aviões. Conhecido como Zé Boca Mole, o homem morava em uma casinha construída no Aeroporto Edu Chaves. “Sempre foi um sujeito gente boa, mas que um dia passou por uma situação muito engraçada”, explica Augustinho.

O ex-gerente da Reta não se esquece do episódio em que um avião Douglas DC-3 estava chegando ao aeroporto quando o piloto teve de arremeter por causa de alguns cavalos que invadiram a pista. Como a esposa de Zé Boca Mole estava grávida e descansando em casa, a poucos metros de distância, ele ficou irritado com o barulho provocado pelas turbinas da aeronave. “Foi um som terrível. Parecia que ia acabar o mundo. Então o Zé veio com um pedaço de pau e correu atrás do avião”, lembra Augustinho Borges às gargalhadas.

Depois que o avião se afastou, o auxiliar de serviços gerais se aproximou do ex-gerente da Reta. “Vou tirar satisfação com esse cara. O que ele tá pensando? E se ele mata a minha mulher? Vai ter que me explicar porque fez isso!”, esbravejou enquanto balançava o pau e cerrava os dentes.

Assim que o Douglas DC-3 pousou, Boca Mole ficou de prontidão, batendo o pé no chão e aguardando alguém abrir a porta do avião. De repente, Zé soltou o pau no chão, sorriu e disse: “Oh, doutor! É o senhor que tá aqui.” Em seguida, abraçou efusivamente o governador Moisés Lupion que logo o interpelou: “O que você quer?”

“Paga uma sodinha pra mim?”, indagou. Enquanto Boca Mole bebia o refrigerante, Augustinho questionou o motivo de Zé não ter brigado com homem. “Você é besta? O sujeito é o governador!” A visita a Paranavaí foi a última de Lupion antes de entregar o cargo em 31 de janeiro de 1961.

Written by David Arioch

julho 29, 2015 at 5:41 pm

O assassinato de Raphael Azambuja na Areia Branca do Tucum

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Amigo de Leonel Brizola e primo de Erico Verissimo, empreendedor foi assassinado em 1962 durante negociação de terras na região de Paranavaí

Alan Azambuja: "Desferiu cinco tiros à queima-roupa contra meu pai, um homem de bem e que andava desarmado." (Foto: Acervo Familiar)

Alan Azambuja: “Desferiu cinco tiros à queima-roupa contra meu pai, um homem de bem e que andava desarmado” (Foto: Acervo Familiar)

Em 1962, o empreendedor gaúcho Raphael Verissimo Azambuja costumava vir a Paranavaí, no Noroeste do Paraná, pelo menos uma vez por mês para comprar terras e investir no desenvolvimento da Gleba Areia Branca do Tucum, às margens do Rio Paraná. Sempre telefonava do Rio Grande do Sul pedindo que o gerente da Reta Táxi Aéreo, Augustinho Borges preparasse um avião para levá-lo até o local.

“Ô Augustinho, e no domingo, tal hora, você me pega lá pra eu tomar o avião da Varig para o Rio Grande do Sul, mas antes ligo confirmando”, lembra Borges, reproduzindo as palavras de Azambuja na primeira semana de julho de 1962. O então gerente estranhou que o final de semana terminou e não recebeu nenhum telefonema de Raphael Verissimo.

Na segunda-feira de manhã, logo depois de levar alguns pilotos e passageiros para o Aeroporto Edu Chaves, o telefone tocou. Era o governador do Rio Grande do Sul. “Ô meu jovem, é o seguinte: Falei com a diretoria da Reta em Londrina e eles recomendaram que eu entrasse em contato com você. Preciso que me faça um grande favor”, disse Leonel Brizola.

O governador explicou que o seu amigo Raphael Verissimo Azambuja foi assassinado no sábado. “Perguntei o que ele queria que eu fizesse. ‘Olha, arruma o corpo, põe dentro do avião e manda ele pra mim. Pago todas as despesas aqui’”, prometeu Brizola após detalhar a situação.

Surpreso com a educação e cordialidade do governador que preferiu resolver tudo por conta própria em vez de transferir a responsabilidade para alguém, Borges se tornou fã do político. “Levei um susto. De todos os homens públicos com quem conversei até hoje, o Brizola foi o que mais se destacou pra mim. Tinha grandes valores e conversava com todo mundo de igual para igual”, justifica Augustinho Borges.

De acordo com Augustinho Borges, Azambuja era um sujeito excepcional, de caráter inquestionável (Foto: Amauri Martineli)

De acordo com Augustinho Borges, Azambuja era um sujeito excepcional, de caráter inquestionável (Foto: Amauri Martineli)

Naquele tempo, Azambuja tinha uma fazenda que ficava próxima a Nova Londrina e Marilena. Acostumado a viajar pela região, o empreendedor de 53 anos não imaginava que seria assassinado por um amigo na manhã do dia 7 de julho de 1962. A traição aconteceu quando o homem percebeu que as terras que vendeu a Raphael Verissimo conquistaram um bom valor de mercado em pouco tempo. “O sujeito de sobrenome Volpato ficou enciumado e desferiu cinco tiros à queima-roupa contra meu pai, um homem de bem e que andava desarmado”, afirma Alan Verissimo Azambuja.

Sobre o episódio, o conceituado escritor Erico Verissimo declarou que a discussão começou quando o suposto amigo de Azambuja exigiu um reajuste de preços por compensação. “Meu primo disse que o negócio estava feito e pronto. Quando se recusou a concedê-lo, o outro meteu-lhe vários balaços no corpo, matando-o quase instantaneamente”, escreveu Verissimo na biografia Solo de Clarineta, lançada em 1973.

De acordo com Augustinho, Azambuja era um sujeito excepcional, de caráter inquestionável. No entanto, foi iludido pela própria ingenuidade, pois não sabia que a Gleba Areia Branca, nas imediações do Porto São José, tinha uma das piores famas do Paraná. “A demanda de terras naquele lugar era tão grande quanto a criminalidade. Era violência em cima de violência. Pra você ter uma ideia, meus parentes moravam lá e chegavam a juntar sacos de cápsulas de balas”, confidencia Borges.

Após o crime, os funcionários da fazenda de Azambuja encaminharam o corpo para uma funerária de Nova Londrina. De lá, Augustinho o trouxe a Paranavaí, onde preparou um quadrimotor de Havilland DH.114 Heron para 16 passageiros. “O avião tinha o apelido de Constellation Baiano. Aluguei ele com piloto e copiloto para levar o caixão porque naquela época não tinha aeronave própria pra esse tipo de transporte”, explica Borges que contou com a ajuda da Star Taxi Aéreo, de Londrina.

Erico Verissimo: "“Comprou terras de um sujeito de maus bofes que ele, Raphael, na sua boa-fé, julgava seu amigo" (Foto: Acervo Familiar)

Erico Verissimo: “Comprou terras de um sujeito de maus bofes que ele, Raphael, na sua boa-fé, julgava seu amigo” (Foto: Acervo Familiar)

Como não podia se ausentar do trabalho, Augustinho relatou a situação para o Major Valle, responsável por comandar o trabalho policial na região de Paranavaí. “Falei que veio um pedido do Brizola para que o major acompanhasse o transporte do corpo. Então o comandante contou que tinha medo de andar de avião, tanto que nunca entrou em um”, destaca.

Para convencer o Major Valle a embarcar na aeronave, Borges o levou até um boteco em frente ao Aeroporto Edu Chaves. Lá, garantiu que o homem ganharia coragem depois de tomar algumas doses de uma pinga com cascavel. “O couro da cobra chegava a balançar no fundo da garrafa. Consegui arrumar tudo e coloquei ele dentro do avião. Mas, rapaz, quando era mais ou menos 6h recebi um telefonema”, enfatiza.

Augustinho despertou com os berros do Major Valle. O homem gritava: “Filho da puta, você vai me pagar quando eu chegar aí. O avião pegou fogo na descida, perto de uma mangueira. Esfumaçou tudo!”, recorda Borges às gargalhadas. Apesar dos imprevistos, o comandante cumpriu a missão. Em Porto Alegre, entregou o corpo de Raphael Azambuja para o governador Leonel Brizola que o agradeceu pessoalmente e cobriu todas as despesas.

Ainda assim, o Major Valle se recusou a voltar de avião e embarcou em um ônibus. Chegou bravo em Paranavaí, mas se acalmou e convidou Augustinho para tomar chimarrão. “Só me deu uns tapas na cabeça por ter que ficar mais de oito horas passando medo dentro da aeronave”, conta sorrindo.

Azambuja queria transformar o Noroeste no celeiro do Brasil

Segundo o filho Alan Verissimo Azambuja, Raphael Verissimo Azambuja acreditou tanto no desenvolvimento da região de Paranavaí que abriu mão de ser ministro da agricultura quando o amigo João Goulart assumiu a presidência do Brasil. “Mesmo com os apelos dos mais próximos, meu pai preferiu dedicar-se integralmente ao grande projeto de sua vida que era transformar o Noroeste do Paraná no celeiro do Brasil. Seu empreendimento colonizador ia de vento em popa”, assinala.

Raphael Azambuja se casou com Marion Mitterling, sobrevivente da Segunda Guerra Mundial e da Ocupação Soviética na Romênia (Foto: Acervo Familiar - 1958)

Raphael Azambuja se casou com Marion Mitterling, sobrevivente da Segunda Guerra Mundial e da Ocupação Soviética na Romênia (Foto: Acervo Familiar – 1958)

No livro Solo de Clarineta, de 1973, o escritor Erico Verissimo narrou que nos últimos anos de vida a atenção e energia de Azambuja se voltaram para a região de Paranavaí. “Comprou terras de um sujeito de maus bofes que ele, Raphael, na sua boa-fé, julgava seu amigo. Organizou loteamento de terras e fez ruas com entusiasmo e esperança. Quando nos encontrávamos, me expunha seus planos para o futuro: novas cidades, fundação de um banco e construção de um grande edifício. Acreditou sempre no futuro do Brasil e costumava lançar longe o dardo de seus bem arquitetados sonhos”, registrou Verissimo, falecido em 1975.

No livro, o escritor relata que de uma das janelas da casa onde morava em Cruz Alta, no Rio Grande do Sul, avistava o cemitério onde o corpo do primo foi enterrado. “Raphael, assim como tantos outros amigos, como a minha própria mãe, na realidade não se encontra em seu túmulo. Com maior ou menor intensidade, continua ainda vivo dentro de mim. Por um desses milagres da memória, eu o tenho sempre ao meu lado”, poetizou.

Raphael Verissimo coordenou as campanhas de Brizola

Raphael Verissimo Azambuja nasceu em Cruz Alta, no Rio Grande do Sul, em 1º de março de 1909. Nos anos 1940, trabalhou como assistente do ministro João Alberto de Lins e Barros e desempenhou os cargos de chefe do Setor do Abastecimento Nacional e do Serviço de Fiscalização de Preços do governo federal. Atuou também na chefia de propaganda do Partido Social Democrático (PSD). À época, chegou a receber uma carta de agradecimento do presidente da República, Eurico Gaspar Dutra.

Em 1947, quando estava hospedado em um hotel em frente a um lago em Velden am Wörther See, na Áustria, Azambuja conheceu a jovem Marion Mitterling, antes chamada Doina Sturza. Era uma jovem romena que perdeu pai, mãe e seis irmãos na Segunda Guerra Mundial e na Ocupação Soviética da Romênia.

Marion trabalhava como assistente da rainha da Bélgica e estava de férias na Áustria no mesmo período em que Raphael Verissimo chefiou uma missão diplomática de seleção de estrangeiros dispostos a se mudarem para o Brasil. “Ele a convidou para um passeio de barco a remo e ela aceitou. Assim começou um grande romance”, frisa Alan Verissimo Azambuja, o primeiro filho, nascido em 1948.

Em 1950, o casal deixou Salzburgo, na Áustria, e se mudou para o Rio de Janeiro, onde Raphael Azambuja trabalhou no Ministério da Agricultura. Em 1955, se tornou chefe do jornal O Clarim, de Porto Alegre, e coordenador das campanhas eleitorais de Leonel Brizola.

A partir de 1956, desempenhou muitas atividades. Comandou o Departamento de Administração e Finanças do Instituto Nacional de Imigração e Colonização e, atendendo a um pedido do governador Brizola, assumiu a Comissão Interestadual para Estudos dos Problemas da Bacia Paraná-Uruguai. “Em 1960, ele foi chefe de assessoria técnica do Ministério da Agricultura e no ano seguinte o nomearam como ministro interino”, cita Alan Azambuja.

Um gaúcho à frente do seu tempo

Um gaúcho à frente do seu tempo é a expressão que melhor define o perfil de Raphael Verissimo Azambuja. “Foi o primeiro sujeito em Cruz Alta [no Rio Grande do Sul] a sair à rua sem chapéu, chocando os nativos. ‘Que desaforo!’, ‘Que desrespeito para com as famílias!’, exclamavam as comadres”, escreveu o primo e escritor Erico Verissimo na biografia Solo de Clarineta.

Azambuja era conhecido como um sujeito questionador, que herdou a inteligência do pai e a vivacidade e capacidade de fazer amigos da mãe. “Ganhou dos dois a coragem para opinar. Nunca deixou de manifestá-la livremente. Era ávido leitor e quando se tornou homem maduro passou a acreditar na vida e na capacidade do ser humano de traçar o próprio destino”, testemunhou Erico Verissimo na obra.

Nos bailes, desde a mocidade atraía atenção pelo costume de dançar com todas as moças menos desejadas. “Ele as enlaçava e saia a rodopiar pelo salão. Dizia coisas agradáveis. Fazia elogios à beleza ou à elegância. Em suma, tornava-as felizes”, declarou o escritor que também fez menção à maneira impecável como o primo se vestia. Azambuja era habilidoso para escrever, mas nunca pensou em dedicar-se à literatura.

Frase de Erico Verissimo sobre o primo Raphael Azambuja

Desde mocinho revelara uma grande generosidade, dessas que se manifestam nas menores coisas.”

Agradecimento especial

Alceu O. Annes, autor da Genealogia dos Annes Verissimo – material que serviu como principal fonte de pesquisa para a elaboração da reportagem.