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O Velho do Saco que não assustava crianças
A história de um andarilho que se sentia um fazendeiro mesmo morando dentro de um buraco
Ao longo de décadas, muitas crianças de Paranavaí, no Noroeste do Paraná, principalmente as que cresceram no Jardim Ouro Branco e em bairros próximos, ficavam intrigadas com a folclórica e enigmática figura de um andarilho. “Quando as crianças aprontavam alguma coisa, os pais diziam: ‘Olha, ali vem o Velho do Saco. Fica quieto senão vou mandar ele te levar”, conta o agricultor Arthur Justino da Silva que mora no Ouro Branco desde o início dos anos 1960.
Mas a verdade é que a fama do homem jamais refletiu a realidade. O “Velho do Saco”, como ficou mais conhecido a partir da década de 1980, se chamava Nelson. Era um senhor de 1,67m de altura e barba branca volumosa que se confundia com os cabelos igualmente alvos. Tinha uma postura inconfundível e um andar pausado e remansoso. Quando pegava algo do chão, surpreendia. Em vez de agachar, flexionava o corpo para a frente. Sem dobrar os joelhos, arqueava as costas e encostava as palmas das mãos no chão. “Chegava a dar inveja”, comenta o comerciante José Ferreira de Lima. De sobrenome desconhecido, assim como o número da casa onde viveu tantos anos na Rua Campo Largo, no Jardim Ouro Branco, o Velho do Saco era um sonhador vitimado por uma misteriosa desilusão.
“A casinha dele era normal, com água e energia elétrica. Tinha tudo. Lembro que antigamente ele vendia perfumes e usava uma roupa bem branquinha. Seguia naquela vidinha, lutando”, lembra José Ferreira que conheceu o “Seu Nelson” há mais de 30 anos, quando o vendedor tinha entre 45 e 50 anos. Também atuava como boticário, fabricando os perfumes que comercializava. De repente, desistiu de tudo e se tornou um andarilho. Começou a recolher papelão e outros materiais que jogava dentro de casa. “Só vendia latinhas e cobre. O restante, inclusive papelão e entulho, ele ia amontoando”, conta o pedreiro e vizinho Nélio Ramos Sabatini.
Aos poucos, a residência do Seu Nelson se tornou a morada do Velho do Saco. Sem água e energia elétrica, restando apenas uma casinha ofuscada por uma mata que cobria a fachada, o homem se transformou em outra pessoa. Anos mais tarde, quando o chão da casa abriu, formando uma cratera, Seu Nelson começou a viver dentro do buraco, cercado por toneladas de materiais, entre papelão, ferro e entulhos. No local, dividia o espaço com ratos, abelhas, escorpiões e outros animais. “Era tanta tranqueira que ele nem tinha mais onde guardar”, testemunha o aposentado Alcides Ramos Sabatini.
De vez em quando o Velho do Saco discutia com outro vizinho, sogro de José Ferreira. O motivo era quase sempre o mesmo. O andarilho queria que todos fossem embora do bairro, a sua “fazenda”. “Falava que tudo ali era dele, que a gente estava se apossando de seus bens”, relata o comerciante, acrescentando que apesar de tudo Seu Nelson sempre “fazia as pazes” com todos.
Porém, em época de quaresma, os mais supersticiosos diziam que o Velho do Saco virava lobisomem, um mito que surgiu porque o andarilho chegava em casa muito tarde e passava horas no quintal antes de dormir. “Com o barulho, a cachorrada latia muito, então o povo espalhou essa besteira”, explica Alcides Sabatini.
Com um grande saco nas costas e outro sobre a cabeça, Seu Nelson, que tinha o hábito de comer carne crua, principalmente linguiça, circulava pelo Jardim Ouro Branco e evitava ir muito longe. Tinha uma mochilinha em que carregava pedras que recolhia das ruas. Chamava a si mesmo de garimpeiro, um desbravador que não se interessava mais em ir além da rotatória próxima ao Hospital Unimed, na Rua Luiz Spigolon. Quem sabe, porque Seu Nelson talvez acreditasse que sua “fazenda” terminasse naquele local.
Embora aceitasse comida apenas de José Ferreira, da mulher e cunhada do comerciante, o homem era visto com frequência nas imediações do Hipermercado Cidade Canção e da Praça dos Pioneiros, onde coletava e comia restos de lanches e salgados das lixeiras. Ocasionalmente, parava para descansar em bares e lanchonetes de conhecidos. “Ele passava um bom tempo aqui, mesmo sujo e com um odor bem forte. Sei que isso poderia afastar os clientes da minha lanchonete, mas nunca achei certo mandar ele ir embora”, pondera Ferreira que sempre guardava para o andarilho as latinhas descartadas pelos clientes.
O Velho do Saco também era um antigo freguês do comerciante Arthur Justino. “Ele começou a frequentar o meu bar em 1979. Estava sempre com dinheiro no bolso e pagava tudo certinho. Gostava de conversar. Era um homem com boa cultura”, avalia Justino. O problema era que às vezes exagerava na cachaça.
Um dia, Seu Nelson resistiu quando tentaram levá-lo para casa, achando que iriam matá-lo. O único que conseguiu se aproximar para carregá-lo foi José Ferreira. “Deu tudo certo. Chegando em casa, deitou e dormiu. Apesar disso, ele nunca atrapalhou ninguém. Muita gente gostava dele. Mesmo sem aposentadoria, jamais foi visto mendigando”, assegura Ferreira.
Na casa onde o andarilho vivia, um enorme pé de manga a cobria parcialmente. A cena que mais chamava a atenção dos vizinhos era a de alguns ratos subindo, comendo as frutas e descendo. Tudo indica que Seu Nelson tinha um mundo particular, distinto e alheio à realidade da maioria. “Uma vez, o homem ficou muito bravo e começou a me chamar de corno porque eu estava no meu quintal e sem querer o vi tomando banho pelado atrás de um pé de limão. Ele se lavava com duas garrafas pet cheias de água que pegava em um córrego. No lugar da bucha, esfregava o corpo com um pano velho e preto”, revela Alcides Sabatini às gargalhadas. O aposentado foi ignorado quando sugeriu ao Seu Nelson que seria mais cômodo se banhar no próprio córrego.
Nélio Sabatini perdeu as contas de quantas vezes o andarilho o chamou para lhe oferecer pedaços de restos de churrasco que encontrava na rua. “Ele falava assim: ‘Aqui ó, vim trazer pra você um pedaço dessa carne de lobisomem’. Eu aceitava. Nunca fiz desfeita. Só descartava quando ele ia embora’”, confidencia o vizinho. Quando preparava a comida em casa, Seu Nelson ajeitava uma pequena fogueira no quintal e cozinhava dentro de uma grande lata velha de ervilhas. Só entrava na casa para dormir. A maior parte do tempo era visto nas ruas ou no quintal. “Acho que quase não sobrou espaço pra ele lá dentro. Tinha muita coisa guardada”, assinala Nélio Sabatini.
A rotina do Velho do Saco só foi interrompida em 28 de dezembro de 2011. Na manhã daquele dia, Seu Nelson chegou à lanchonete de José Ferreira para conversar um pouco e beber pinga. Às 11h, partiu cambaleando. Mais tarde, preocupado, o comerciante pediu que um rapaz checasse o estado do andarilho. Era 14h e o Velho do Saco foi encontrado deitado, como se estivesse dormindo.
Às 15h, Nélio e Alcides foram verificar porque o homem continuava no quintal. Havia marcas de dedos na terra, de alguém que se esforçou para se levantar, mas não conseguiu e acabou desmaiando. “Fez um calor insuportável naquele dia e o sol bateu diretamente nele. Fizemos de tudo para acordá-lo e não conseguimos. Acho que não aguentou e teve um ataque cardíaco”, enfatiza Nélio Sabatini.
Às 18h, José Ferreira fechou a lanchonete quando a esposa o avisou que o Seu Nelson não acordava de jeito nenhum. Quando chegou lá, era tarde demais. Ninguém imaginava que aquele seria o último dia em que veriam o Velho do Saco com vida. Quem o conhecia ainda sente saudade da sua “mania de fazendeiro”, de seu olhar absorto e seus passos vagarosos e arrastados.
Como não apareceu nenhum familiar para sepultá-lo, o enterro do andarilho foi feito por vizinhos e conhecidos, pessoas que o estimavam. Também organizaram a limpeza da sede da sua fazenda imaginária, a casinha onde viveu por décadas. Do local, retiraram toneladas de materiais e entulhos armazenados desde os anos 1980. “Enchemos sete caminhões só de sujeira e coisas que não se aproveitava”, garante Nélio Sabatini. De luto, o comerciante José Ferreira decidiu nunca mais vender pinga, uma promessa mantida até hoje.
Saiba Mais
Na certidão de óbito consta que o nome do Velho do Saco era supostamente Nelson Francelino de Oliveira. Sem documento, descobriram no dia de sua morte que ele transportava um papel com dados pessoais registrados à caneta. O homem foi sepultado na Gaveta 35 do Conjunto F da Quadra 10 do Cemitério Municipal de Paranavaí.
Vizinhos relatam que o homem virou andarilho porque foi abandonado pela esposa. O Velho do Saco vivia sozinho, mas conhecidos acreditam que ele ainda tem familiares em Paranavaí.
Após o falecimento, a casa do Velho do Saco foi demolida e se tornou moradia de uma pessoa sem vínculo familiar com Seu Nelson.
Frase de José Ferreira sobre o Velho do Saco
“Ele impostava a voz e dizia que era dono de milhões de cabeças de gado. Falava que o governo o perseguia para pegar o dinheiro dele.”
Montoya tinha a estrutura de uma cidade
População da colônia era de mais de seis mil habitantes
Em 1928, a Vila Montoya, atual Paranavaí, no Noroeste do Paraná, ganhou contornos de cidade. A colônia oferecia tudo que era necessário à sobrevivência dos mais de seis mil moradores. No entanto, o único acesso ao lugarejo era a estrada do Porto São José, na divisa com o atual Mato Grosso do Sul.
À época, todos que chegavam a Montoya usavam a mesma via que servia também para ligar a colônia ao Porto Ceará e a Presidente Prudente, no Oeste Paulista, de acordo com dados do livro “História de Paranavaí”, do escritor Paulo Marcelo Soares Silva. No passado, pela mesma estrada se chegava à Gleba-1 Ivaí, Piracema e Povoado de Cristo Rei.
Quem precisava viajar para outras cidades do Paraná era obrigado a atravessar a divisa com São Paulo, embarcar em um trem que percorria a antiga Estrada de Ferro Sorocabana até Ourinhos, e de lá partir para Tibagi, no Centro Oriental Paranaense, a quem Montoya pertencia. “Depois a pessoa ia pra onde quisesse, mas não tinha outro jeito. O peão tinha que dar toda essa volta”, afirmou o pioneiro catarinense José Matias Alencar.
Naquele tempo, a colônia tinha 1,2 milhão de cafeeiros, aproximadamente 60 mil ficavam em área onde se situa o Colégio Estadual de Paranavaí (CEP), Cemitério Municipal e Fazenda Experimental do Estado. A colônia ainda contava com uma frota de 25 caminhões, 60 mulas-cargueiras, máquinas de beneficiar arroz, farmácia, serraria com motor a vapor de 50 HP e uma caldeira, armazém, Cartório de Paz e Registro Civil, além de mil casas cobertas de zinco situadas no Jardim Ouro Branco, Fazenda Carneiro Ribas e outras localidades, conforme informações dos livros “História de Paranavaí”, do escritor Paulo Marcelo, e “Pequena História de Paranavaí”, do juiz de direito Sinval Reis.
A Companhia Brasileira de Viação e Comércio (Braviaco), que tinha o direito de concessão da área, investia ao máximo no povoado para evitar que os trabalhadores deixassem o distrito, pois como as viagens eram longas o colono podia perder dias de serviço ou nem mesmo voltar, caso estivesse insatisfeito. Montoya fazia parte da Fazenda Brasileira, de propriedade do jornalista Geraldo Rocha que, além de proprietário de importantes veículos de comunicação situados no Rio de Janeiro – Rádio Nacional e jornais “A Noite” e “O Mundo”, era dono da Braviaco, responsável pela administração de uma área total de 317 mil alqueires no Sudoeste, Oeste e Norte do Paraná.
Quem cuidava dos negócios de Rocha na colônia e em toda a região era o vice-diretor da Braviaco, o engenheiro agrônomo Landulpho Alves de Almeida – que se tornaria senador e interventor federal da Bahia – cargo que equivalia ao de governador, Humberto Alves de Almeida e Joaquim da Rocha Medeiros. Humberto Alves, irmão de Landulpho Alves – sócio da Companhia Brasileira, era o responsável pelos serviços de transporte da fazenda e tinha como empregado de confiança o pioneiro pernambucano Frutuoso Joaquim de Salles, considerado o primeiro cidadão de Paranavaí.
Salles chefiava um grupo de peões, ajudava a ensacar o café e cuidava para que o produto fosse transportado de forma segura. A Vila Montoya tinha uma população de centenas de famílias que somavam mais de seis mil moradores. A maior parte prestava serviços a Braviaco e aos empreiteiros Gonzaga, João Gomes e Coronel João Antônio. Foram muitos os peões que se casaram em Montoya, alguns até registraram os filhos no distrito, segundo o juiz de direito Sinval Reis.
O responsável por impor a ordem na colônia era o Cabo Simão que trabalhava em parceria com dois soldados da Polícia Militar do Paraná. É importante destacar que Montoya se desenvolveu muito bem até a chegada da Revolução de 1930, quando o Governo Provisório rompeu todos os negócios com a Braviaco. Mais tarde, Getúlio Vargas repassou a concessão das terras da região ao político gaúcho Lindolfo Collor, avô do ex-presidente Fernando Collor de Mello.
Joaquim Medeiros conheceu a região em 1923
A Vila Montoya fazia parte da Gleba Pirapó que somava 100 mil alqueires, cerca de 108 quilômetros de extensão. Começava no Rio Paranapanema e ia até a margem direita do Rio Ivaí. A Gleba fazia divisa ao leste com as propriedades da Companhia de Terras Norte do Paraná (CTNP), de capital inglês, e a oeste com uma área destinada a Brazil Railway Company, de origem estadunidense.
“Em 1923, abri um picadão com dez metros de largura por sessenta quilômetros de extensão que começava na Fazenda Laranjeira e ia até o Rio Paranapanema. A estrada ficava a duzentos metros da propriedade de Adão Medeiros”, disse o engenheiro agrônomo Joaquim da Rocha Medeiros em entrevista à Prefeitura de Paranavaí em 5 de julho de 1975.
O som dos colonos capinando nas imediações era tão alto que se ouvia mesmo de longe, segundo Medeiros. Encerrada a etapa de abertura do picadão até a divisa com o Paraná, o engenheiro agrônomo embarcou em uma canoa e atravessou o Rio Paranapanema. Já no extremo Norte do Paraná, Medeiros coordenou a derrubada de um alqueire para a construção de um rancho que recebeu o nome de Porto Itaparica que ficava numa área de 20 mil alqueires da Companhia Alves de Almeida. A iniciativa visava facilitar o escoamento do café para o Mato Grosso e Argentina.
Curiosidades
Os migrantes trazidos à Vila Montoya pela Braviaco eram de Minas Gerais, Piauí, Ceará, Alagoas, Sergipe, Pernambuco e Bahia. Porém, é bem provável que pessoas de outros estados e países também já viviam no povoado.
A intenção da Braviaco era explorar o café da Fazenda Brasileira por 20 anos e depois migrar para a pecuária.
Saiba Mais
Antônio Geraldo Rocha nasceu em Barra, Bahia, em 14 de julho de 1881 e faleceu aos 78 anos em 19 de junho de 1959. Em 1931, deixou de representar os interesses da empresa norte-americana Brazil Railway Company e foi obrigado a hipotecar parte dos bens. Rocha é autor do livro “O Rio São Francisco: fator precípuo da existência do Brasil” que contribuiu para a implantação da Comissão do Vale do São Francisco (CVSF).
Landulpho Alves de Almeida nasceu em Santo Antônio de Jesus, Bahia, em 4 de setembro de 1893 e faleceu no Rio de Janeiro, capital, em 15 de outubro de 1954. Como político, Landulpho Alves é sempre lembrado como defensor da estatização do petróleo e relator da lei N 2.004, de 1953, que deu origem a criação da Petrobrás.
Lindolfo Leopoldo Boeckel Collor nasceu em São Leopoldo, Rio Grande do Sul, em 4 de fevereiro de 1890 e faleceu em 21 de setembro de 1942, no Rio de Janeiro, capital. Apesar de ter sido correligionário de Getúlio Vargas durante o Governo Provisório que sucedeu a Revolução de 1930, Collor se tornou um combatente da política ditatorial do Governo Vargas, chegando a ir para o exílio. Tornou explícito o desprezo pela ditadura em muitos jornais do Brasil, inclusive no semanário “Diretrizes”, do jornalista Samuel Wainer.
A proibição de bebidas alcoólicas em 1927
Quando o álcool foi banido de Paranavaí pela Braviaco
Em 1927, a entrada de bebidas alcoólicas foi proibida na Vila Montoya, atual Paranavaí, no Noroeste do Paraná, medida que foi mantida até 1930, ano em que a concessão da Companhia Brasileira de Viação e Comércio (Braviaco), subsidiária da Brazil Railway Company, foi revogada pelo presidente Getúlio Vargas.
Quando a Braviaco começou a construção de 110 quilômetros de estrada em 1926, ligando as imediações dos rios Pirapó e Paranapanema à fazenda que receberia o nome de Vila Montoya, os diretores da Braviaco, Geraldo Rocha e Landulfo Alves, foram informados que muitos de seus trabalhadores tinham o costume de consumir bebidas alcoólicas todos os dias. Por isso, tomaram a decisão de impor uma lei baseada na palavra para impedir a entrada de álcool na região de Paranavaí. Quem fosse flagrado bebendo era despejado e mandado embora.
A iniciativa foi colocada em prática em 1927, quando cerca de seis mil pessoas, somando centenas de famílias, viviam na colônia, em áreas que hoje pertencem ao Jardim Ipê, Jardim Iguaçu e Jardim Ouro Branco. A medida que tinha um caráter de “diplomacia rural” não foi bem recebida por todos os migrantes, inclusive alguns optaram por deixar o povoado afirmando que não valia a pena trabalhar em um lugar sem poder pelo menos tomar uma dose de cachaça no fim do dia.
Como havia dezenas de capangas na fazenda, ninguém é capaz de afirmar se aqueles que abandonaram a Vila Montoya chegaram aos seus destinos. “A proibição da entrada de bebidas alcoólicas na região foi uma providência salutar”, disse o engenheiro agrônomo Joaquim da Rocha Medeiros em entrevista à Prefeitura de Paranavaí décadas atrás. Medeiros era funcionário da Braviavo e coordenava o trabalho da companhia na região.
“O veto não atrapalhou muito, mas teve gente que partiu para outras cidades do Paraná e do interior de São Paulo. Penso que a ideia de proibir o álcool era pra evitar todos os tipos de problemas. Depois de umas pingas, o peão ficava agitado, com o sangue quente e, como a vida já era difícil, qualquer coisinha era motivo pra coçar a mão e arrancar a faca da cintura”, avaliou o pioneiro cearense João Mariano.
A proibição de bebidas alcoólicas em Montoya durou cerca de três anos. Ainda assim, alguns tinham acesso ao álcool. “Como era um produto proibido, saía mais caro, mas a gente sabe que até os jagunços da fazenda davam um jeito de arrumar a bebida para a ‘peãozada’. Claro que não era todo mundo que bebia, mas alguns nem que fosse de vez em quando conseguiam uma pinguinha sim”, enfatizou.
“Quando se aproximou, viu um cadáver apodrecendo”
Como não havia autoridades policiais o suficiente para cuidarem dos seis mil moradores do Distrito de Montoya, a Braviaco costumava intervir, pensando em ações que evitassem conflitos entre os colonos. Nem sempre dava certo, tanto que em 1927, o álcool já havia trazido como consequências muitos desentendimentos e brigas entre os trabalhadores.
“Tinha peão que ia trabalhar alcoolizado, assim arrumava confusão com extrema facilidade. São problemas que já existiam. Para a Braviaco, não era uma questão humana. A maior preocupação era que caso alguns se matassem, isso poderia afetar a produção de café, exigindo novos colonos para substituir os que morriam. É claro que eles não iriam se queixar disso, mas quem viveu aquela época sabia que o que importava pra eles era o lucro”, desabafou Mariano.
Havia três policiais para garantir a segurança dos moradores da Vila Montoya. Eram profissionais que nem sempre iam até as áreas de conflito, mesmo após alguns crimes. De acordo com João Mariano, não foram poucas as mortes em meio aos cafezais. “Tive um compadre que uma vez estava cruzando a roça e sentiu um mau cheiro perto de um pé de café. Quando se aproximou, viu um cadáver apodrecendo embaixo de um monte de folhas e galhos pequenos”, revelou. O homem ficou com medo e não contou nada a ninguém. No dia seguinte, a “consciência pesou” e ele voltou ao mesmo lugar. Para a surpresa do colono, já tinham removido o corpo.
“Como havia uns rastros de sangue no chão, meu compadre foi pedir informação pra polícia, só que como quem não quer nada. Falaram que fazia tempo que não acontecia nenhum crime por essas bandas”, confidenciou o pioneiro João Mariano, denunciando que os policiais contribuíam na ocultação de crimes para não comprometer a imagem da companhia. É importante lembrar que as bebidas alcoólicas foram banidas até 1930, quando a Braviaco teve de se retirar do distrito, sob ordem do presidente Getúlio Vargas que revogou a concessão de terras em represália ao apoio prestado ao político Júlio Prestes.
Saiba Mais
A Vila Montoya pertencia ao município de Tibagi, no Centro Oriental Paranaense.
O agrimensor que se elegeu prefeito
Ulisses Faria Bandeira venceu a eleição municipal de 1956
O agrimensor Ulisses Faria Bandeira conheceu Paranavaí, no Noroeste do Paraná, em 1939, mas fixou residência alguns anos depois. Foi o primeiro morador a se casar na colônia. Em 1956, se elegeu prefeito e viveu em Paranavaí até os últimos dias de vida.
Ulisses Faria, que nasceu em São Mateus do Sul, no Sudeste Paranaense, se mudou para Londrina aos 17 anos, em 1938, após aceitar um convite do tio Francisco de Almeida Faria para trabalhar na 4ª Inspetoria de Terras do Estado do Paraná.
Bandeira se dedicou muito ao trabalho e logo se tornou o braço direito de Francisco de Almeida, diretor da inspetoria. O ofício, Ulisses aprendeu rápido, e em 1939 foi um dos ilustres convidados a participar da viagem de inauguração da linha Londrina-Fazenda Brasileira, da Viação Garcia.
Em 1942, aos 21 anos, Bandeira retornou à Brasileira, encarregado de demarcar algumas vias. Ao final do trabalho, o agrimensor voltou para Londrina. A oportunidade para fixar residência na futura Paranavaí surgiu em 1944, quando Ulisses Faria assumiu o cargo de diretor da Inspetoria de Terras do Estado, escritório regional de Paranavaí.
Bandeira definitivamente adotou a Brasileira como lar, tanto que em 11 de maio de 1949 se casou com uma moradora local, Balbina Guilherme de Aguiar. Foi o primeiro casamento de Paranavaí. “Naquele tempo, uma das maiores colônias que havia na Brasileira era a Colônia Nº 2, onde é hoje o Jardim Ouro Branco”, relatou Ulisses Faria ao jornalista Saul Bogoni há algumas décadas.
Quando questionado sobre os primeiros pioneiros de Paranavaí, o agrimensor sempre citava a Família Fabrício, José Firmino, Frutuoso Joaquim de Salles, João Clariano e Telmo Ribeiro. “Todos esses eram da época da [Companhia Brasileira de Viação e Comércio] Braviaco”, garantiu o pioneiro.
O prestígio do inspetor de terras junto à população era tão grande que Bandeira foi estimulado a disputar as eleições municipais de 18 de novembro de 1956, concorrendo ao cargo de prefeito. Obteve 4071 votos contra 4029 de Herculano Rubim Toledo. “Foi uma campanha pesada e acirrada”, admitiu.
O agrimensor foi o segundo prefeito de Paranavaí, sucedendo o médico José Vaz de Carvalho. Naquele ano, assumiram como vereadores Aldo Silva, Francisco Rodrigues Ruiz, Gustavo Marques de Oliveira, José Vaz de Carvalho, José de Souza Leite, José Vendolino Schueroff, Minoru Imoto, Nelson Busato dos Santos, Osvaldo Madalozzo e Vivaldo Oliveira. Aldo, Gustavo, José de Souza e Vivaldo já ocupavam cargo na Câmara Municipal, pois foram eleitos em 1952.
Ulisses Faria Bandeira conquistou muita popularidade pelo hábito de interagir com os moradores, principalmente nos finais de semana quando participava de partidas de futebol no antigo Estádio Natal Francisco, localizado onde é hoje a Praça dos Pioneiros. “Joguei de ponta-direita no Atlético Clube Paranavaí (ACP). Eu não era um bom jogador, apenas razoável”, revelou Bandeira que viveu em Paranavaí até os últimos dias de vida.
Saiba Mais
Ulisses Faria Bandeira nasceu em 24 de março de 1921.