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As dificuldades de ser bancário nos anos 1950

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Segundo Adelchi Ferrari, trabalhar em banco era uma ilusão que inebriava os jovens 

Adelchi Ferrari: "O banco era o trabalho da época, o sonho dos jovens. Você ingressava como bancário e logo era classificado como alguém da sociedade" (Foto: David Arioch)

Adelchi Ferrari: “O banco era o trabalho da época, o sonho dos jovens. Você ingressava como bancário e logo era classificado como alguém da sociedade” (Foto: David Arioch)

Andar bem vestido – com paletó alinhado, sapatos sempre engraxados e cabelos cuidadosamente penteados, ser respeitado pela sociedade e convidado para os eventos sociais mais importantes da cidade era o que motivava muitos jovens a se tornarem bancários nos anos 1950. O perfil de pessoa considerada letrada, informada, articulada e versada em números também agradava aos mais entusiasmados.

Era um privilégio e um grande contraste em um país com uma população de mais de 50% de analfabetos, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A imagem de bancário ajudava até mesmo na conquista da simpatia das moças. O status era mais atrativo do que o próprio salário oferecido pelas instituições financeiras, principalmente privadas.

“O banco era o trabalho da época, o sonho dos jovens. Você ingressava como bancário e logo era classificado como alguém da sociedade, pura ilusão. Trabalhava que nem um miserável e não ganhava bem pelo que fazia. O ordenado era ruim. Quero dizer, dava para sobreviver, mas não sobrava”, conta o ex-bancário Adelchi Benedito Ferrari que fez parte da primeira geração de bancários de Paranavaí, no Noroeste do Paraná.

Naquele tempo, o expediente começava bem cedo e terminava só à noite. Sem energia elétrica, o costume era ter sempre uma vela ou lampião ao alcance das mãos. “O rosto chegava a ficar coberto de fuligem. Trabalhei assim por 15 anos. Era normal sair meia-noite do banco. Não esqueço que fui convidado a passar o Natal com a família de um amigo e não pude ir porque tivemos que trabalhar até de madrugada”, explica Ferrari.

"Trabalhava que nem um miserável e não ganhava bem pelo que fazia" (Foto: David Arioch)

“Trabalhava que nem um miserável e não ganhava bem pelo que fazia” (Foto: David Arioch)

O ex-bancário também se recorda do episódio em que o filho do empreendedor Remo Massi chegou ao Banco Noroeste quase no final do expediente. “Rapaz, ele voltou de São Paulo com uma pasta cheia de dinheiro, daí o gerente mandou a gente depositar e refazer todo o relatório. A noite foi longa. Tinha vela e lampião por todos os lados”, destaca.

Em uma ocasião, Adelchi Ferrari confidenciou à esposa Mercedes que iria pedir demissão porque não estava mais suportando a intensa jornada de trabalho. “Tinha muita pressão. Certa vez, terminei um relatório meia-noite e apareceu um cara lá com dinheiro para pagar. Fiquei nervoso e esbravejei: ‘Não vou pagar merda nenhuma!’”, relata.

Pelo menos para os funcionários do Banco Noroeste de Paranavaí, a situação começou a melhorar nos anos 1960. Um dia, por volta das 8h, chegou ao banco um senhor de São Paulo conhecido pelo sobrenome Godoy. “Entrou, veio em minha direção, perguntou meu nome e função”, conta Adelchi.

Na tarde daquele dia, o movimento era tão intenso que havia dezenas de cavalos amarrados nas grades ao lado da entrada. Por volta das 16h, Godoy se aproximou do caixa e disse: “Pode virar o carimbo e continuar amanhã”, o que na linguagem da época significava não atender mais nenhum cliente.

Irritado com a cena, o gerente Raul Piccinin se aproximou e desafiou o homem. “Não, senhor! Sou o gerente aqui e quem manda sou eu. Vocês vão trabalhar até a hora que eu quiser!”, narra Ferrari, citando as palavras usadas pelo chefe.

“Tinha muita pressão. Certa vez, terminei um relatório meia-noite e apareceu um cara lá com dinheiro para pagar. Fiquei nervoso e esbravejei: ‘Não vou pagar merda nenhuma!’" (Foto: David Arioch)

“Tinha muita pressão. Certa vez, terminei um relatório meia-noite e apareceu um cara lá com dinheiro para pagar. Fiquei nervoso e esbravejei: ‘Não vou pagar merda nenhuma!’” (Foto: David Arioch)

Godoy então perguntou a Piccinin se ele pagava hora extra aos funcionários. Imediatamente respondeu que não. “Não? Então o que você é mesmo?”, questionou o homem. Quando Raul confirmou que era o gerente, Godoy se apresentou como auditor e disse que veio a Paranavaí justamente por saber que os funcionários estavam sendo explorados no Banco Noroeste.

Antes de retornar para São Paulo, o auditor ficou mais 15 dias em Paranavaí acompanhando a situação dos bancários. “Qualquer coisa que ele exigir, vocês podem me telefonar que eu resolvo a situação”, prometeu Godoy. Após as advertências do auditor, nenhum funcionário do Banco Noroeste recebeu ameaças ou foi obrigado a fazer hora extra. De acordo com Adelchi Ferrari, funcionários do Banco Comercial, Banco América do Sul e Bradesco também sofreram trabalhando no período da noite. “A única exceção era o Banco do Brasil”, frisa.

Saiba Mais

O Banco Noroeste se situava onde é hoje o pátio do Banco Bradesco.

Adelchi Benedito Ferrari nasceu em 23 de fevereiro de 1930 em Promissão, interior de São Paulo.

Pioneiro forneceu eletricidade a Paranavaí

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Thomaz Estrada iluminou as ruas da colônia e forneceu energia elétrica para muitos profissionais

Thomaz Estrada abriu o primeiro posto de combustível da cidade (Foto: Reprodução)

Nos anos 1940, o imigrante espanhol Thomaz Estrada forneceu energia elétrica para a população de Paranavaí, no Noroeste do Paraná. À época, as ruas da cidade foram iluminadas graças ao gerador do pioneiro.

No tempo em que Paranavaí ainda não contava com o fornecimento de energia elétrica, o espanhol Thomaz Estrada decidiu intervir. O pioneiro tinha um posto de combustível entre a Rua Getúlio Vargas e a Avenida Paraná, sentido ao antigo Terminal Rodoviário. Lá, Estrada mantinha um gerador de energia que poderia ter se limitado a abastecer o empreendimento. Mas o espanhol foi além, estendeu ao máximo a área de fornecimento, beneficiando muitos profissionais que dependiam de energia elétrica para trabalhar.

Em parceria com outros moradores, Estrada também criou alguns esquemas para a iluminação de ruas e avenidas. “O motor ficava dentro do posto e iluminava até o Banco Noroeste”, lembrou o espanhol em entrevista à Prefeitura de Paranavaí há algumas décadas. Para os pioneiros, Estrada fez muito mais que uma benfeitoria, dissipou a escuridão que impedia a colônia de existir no fim do dia. “Com o brilho daquela luz, Paranavaí ganhou nova dimensão, coisa que não se traduz, alegria arredia que destoa coração”, poetizou o pioneiro cearense João Mariano.

O abastecimento de energia deu novo sentido à vida em comunidade. Os moradores se beneficiavam da iluminação noturna realizando atividades que até então dependiam da luz solar. “As crianças aproveitavam a claridade pra brincar um pouco mais na rua”, relatou Mariano. Para o pioneiro mineiro José Alves de Oliveira, conhecido como Zé do Bar, a iniciativa do espanhol, que vivia numa residência ao lado de onde é hoje o Cartório Tomazoni, fez a diferença na colônia.

“Era tudo sertão e havia bicho pra todo lado”

O pioneiro Thomaz Estrada, que nasceu em 2 de julho de 1901, na Espanha, chegou à Fazenda Velha Brasileira, atual Paranavaí, em 1942, por sugestão de Francisco de Almeida Faria, inspetor de terras que conheceu em Londrina. “Me mudei pra cá em 1943. Aqui era tudo sertão e havia bicho pra todo lado. Veados andavam pelas ruas”, ressaltou Estrada.

Paranavaí quando construíram os primeiros postes para condução de energia elétrica (Foto: Reprodução)

O pioneiro admitiu que a fama da Fazenda Velha não era das melhores. “Um dia, ali em frente de onde eu morava, mataram dois”, confidenciou. A única estrada que existia naquele tempo era a que ligava a colônia ao Porto São José, o mesmo picadão para onde o capitão Telmo Ribeiro partia em direção ao Mato Grosso em busca de peões. “O Capitão Telmo tinha uma invernada onde é hoje o Jardim São Jorge”, disse o espanhol. De acordo com Estrada, no início, havia muita gente que não “prestava”. “Tinha muitos enguiços, mas decidi ficar. Coloquei um armazém pra sustentar a família”, pontuou e acrescentou que comprou uma fazenda na Brasileira e a vendeu em seguida.

O documento era a foice e o machado

Segundo o pioneiro espanhol Thomaz Estrada, o documento no período da Fazenda Velha Brasileira era a foice e o machado, ferramentas emblemáticas da colônia entre as décadas de 1930 e 1950. A verdade é que representavam mais do que instrumentos, um paradoxo semeado sob metáforas de luta, força, perseverança, injustiça, fragilidade humana e todas as agruras da colonização.

A Família Estrada viu exemplos disso tudo em Paranavaí. Enquanto o desenvolvimento trouxe mais qualidade de vida, em contrapartida, se intensificou a animosidade, até mesmo por banalidades. “Um dia na nossa loja, o Zé Capataz e o Zé Tabuinha começaram a beber. Eles puseram a faca e o revólver em cima da balança. Pedi pelo amor de Deus para que não brigassem. Daí pegaram eles e levaram pra fora. Outra vez foi o Joaquim das Éguas que tirou os briguentos daqui”, enfatizou Ana Maria Estrada.

Por muitas vezes, a pioneira passou medo no tempo da colonização. Quando o marido viajava, Ana Maria e o filho tinham de atender todos os fregueses. À época, muitas vacas dormiam em frente à casa comercial dos Estrada. “Também tinha muito mato em volta. Só foi mudando depois de 1950″, garantiu a pioneira.