David Arioch – Jornalismo Cultural

Jornalismo Cultural

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No estacionamento

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Um dia, no estacionamento do mercado, uma mulher arremessou uma embalagem pela janela. Como ela ainda não tinha saído do lugar, caminhei até lá, inclinei meu corpo, peguei o lixo sem falar nada, coloquei no meu bolso e continuei andando. Olhei brevemente para ela e não me recordo de já ter visto outra pessoa tão constrangida em situação semelhante.

Written by David Arioch

janeiro 21, 2017 at 1:34 am

Publicado em Autoral, Reflexões

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O pão quente e a barba

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Pouco antes das 18h, minha mãe pediu que eu fosse ao Cidade Canção comprar pão. Chegando lá, fui até a padaria e perguntei para a atendente se eu poderia ver como o pão é preparado. Atenciosa, me mostrou até a lista dos ingredientes usados no pão. Sim, o pão deles é vegano, não tem nenhum ingrediente de origem animal. Satisfeito, caminhei em direção ao caixa.

Enquanto o pão quente soltava fumaça, ela sorriu e disse que talvez fosse melhor colocar o saco de pão dentro de uma sacola plástica. “Ah, é perigoso amassar”, justificou. Falei que não era necessário. Saí do mercado carregando oito sacolas em uma mão e o saco de pão na outra.

Depois de uma breve caminhada, assim que abri a porta do carro, me dei conta que a minha barba estava quente, defumada e com cheiro de pão. Mais de 30 minutos depois, ainda me sinto como se estivesse na padaria.

 

Written by David Arioch

janeiro 16, 2017 at 1:51 pm

O homem e o carrinho

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No mercado, vi um senhor fazendo um esforço hercúleo para empurrar um carrinho abarrotado de carne. Havia tanta carne que por um momento ele parou de empurrá-lo. Em seguida, enxugou o líquido viscoso que escorria de um dos sacos de carne, lambuzando sua mão direita. Seu carrinho não era o único na mesma situação.

Antes que eu me afastasse, um de seus filhos se aproximou e o questionou se não havia carne demais no carrinho. Incomodado, o homem respondeu, num paradoxo ruidoso: “Carne é vida. Melhor sobrar do que faltar.” Por outro lado, ele sentia-se desconfortável porque uma de suas mãos estava grudenta. Sem velar a expressão de repulsa, na tentativa de limpá-la, ele acabou esfregando a mão em uma porção de belas laranjas.

Em menos de minuto, algumas testemunhas se aproximaram e viram as laranjas manchadas pelos glutinosos vestígios de carne. Então reclamaram: “Que sujeito nojento! Eu que não pego essas laranjas!” E partiram empurrando seus carrinhos cheios de peru, tender, pedaços de carne bovina e bandejas de presunto.

Written by David Arioch

dezembro 24, 2016 at 9:25 pm

“Esse é bom! Muçulmanos sabem!”

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Fui ao mercado há pouco. Chegando lá, apertei o botão do alarme do carro e nada. Não funcionou. Então me dei conta que o pressionei com tanta força que o botão afundou. Tentando resolver a situação, notei algumas pessoas me observando por causa da minha barba. Não consegui evitar de pensar: “Agora, além de terrorista, vão achar que sou ladrão.

Depois, no setor de hortifruti, comecei a analisar alguns pacotes de romãs. De repente, cinco haitianos se aproximaram e começaram a observá-los também. Enquanto eles conversavam em crioulo, eu seguia procurando as melhores porções.
Quando eu tirava a mão de um pacote, os haitianos faziam o mesmo.

Dois ou três minutos depois, peguei em definitivo um pacote. Então um deles fez o mesmo. Assim que me afastei, ouvi alguém dizendo algo como: “Sa a se bon. Mizilman an konnen!”, que significa: “Esse é bom! Muçulmanos sabem!”

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dezembro 24, 2016 at 7:35 pm

Perto do departamento de bebidas

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Perto do departamento de bebidas do mercado, um rapaz distraído esbarrou o apoio de mãos do carrinho em um expositor de bebidas. Muitas garrafas de vidro foram ao chão, ecoando barulheira que foi percebida ao longe, a julgar pelas dezenas de olhares. As pessoas poderiam ser mais empáticas em situações como essa e tentar pelo menos disfarçar, desviar os olhos. Mas, como sempre, continuaram o observando e provavelmente até o julgando. Isso é muito chato.

Written by David Arioch

dezembro 24, 2016 at 7:31 pm

“Aquele rapaz deve ser turco”

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Assim que saí da academia, passei no mercado e fui até a sessão de frutos secos. Comecei a analisar pacientemente o damasco e as tâmaras secas. De repente, ouvi uma moça conversando com uma amiga. Elas pareciam cheias de dúvidas, a julgar pelo tom de voz, que não era tão baixo. Logo uma delas falou para a outra, como se eu fosse incapaz de ouvi-las: “Aquele rapaz deve ser turco. Pergunte pra ele se aquele figo branco seco é autêntico mesmo.”

9 de novembro de 2016.

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novembro 16, 2016 at 10:25 am

No centro e no mercado

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Dias atrás, no centro, bem na esquina da Avenida Paraná com a Rua Souza Naves, uma cigana começou a balançar as pulseiras e gritou, me chamando de “wortako”. Olhei receoso, indeciso sobre parar ou não. Quando segui adiante, ela veio em minha direção, ameaçando segurar minha mão.

Fiquei tão surpreso que acabei sem reação, com os pés interrompidos. A cigana olhou bem nos meus olhos duas ou três vezes, alternando toques e esfregões na palma da minha mão direita. De repente, levou a mão à boca e disse: “Você não é filho do Tayrone?” Respondi que não, ela soltou minha mão e gritou: “Che chorrobiya! Che chorrobiya! Seu mentiroso! Mentiroso! Eu conheço a sua família!” Enquanto ela balançava as pulseiras, me afastei a passos rápidos.

Um pouco mais cedo, fui ao mercado. Na sessão de grãos, peguei um pacote de farinha de trigo para quibe, de uma marca que até então eu não conhecia, e comecei a ler a lista de ingredientes e outras informações complementares. De repente, uma mulher se aproximou e disse: “Aposto que até você que come muito quibe está estranhando o preço, não?”

6 de novembro de 2016.

 

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novembro 16, 2016 at 10:19 am

Publicado em Crônicas/Chronicles

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No caixa rápido

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Na fila do caixa rápido, um idoso estava na minha frente com sua esposa. Quando perguntei sua idade, ele me contou que tem 93 anos e sua senhora tem 92. De estatura baixa e silenciosos, os dois pareciam inexistir para toda aquela gente. Como a fila do caixa preferencial estava longe e também não era pequena, caminhei até o rapaz que encabeçava a fila do caixa rápido e pedi para ele deixar o casal passar. Todo mundo ficou me olhando, mas não notei nenhuma expressão de reprovação ou comentário negativo.

Logo o casal atravessou a fila carregando uma cestinha e uma bolsa ecológica. Depois que saíram do caixa, o senhor colocou a bolsa no chão, limpou as lentes do óculos, ergueu o braço e sorriu, me cumprimentando mais uma vez. Lá fora, assisti ele abrindo a porta do carro para sua esposa. Ela entrou, ele perguntou se ela estava confortável, deu-lhe um beijo na fronte e fechou a porta. Então os dois partiram em um carro que atrás trazia um adesivo escrito “Abrace a vida mesmo quando ela não puder abraçá-lo”.

Written by David Arioch

novembro 9, 2016 at 11:07 pm

Você é o contador de histórias?

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Quando eu estava na sessão de hortifruti do mercado, um camarada muito gente boa caminhou em minha direção e perguntou: “Você é o contador de histórias?” Hesitei por um instante e ele continuou: “Tu que é o David Arioch!” Acenei com a cabeça e respondi com um sorriso benevolente, mas ainda longe de amadurecer: “Sou sim…”

“Cara, suas histórias são muito boas. Curto muito as histórias da sua barba.” Fiquei muito feliz em saber disso e agradeci, mas creio que nunca à altura do carinho que me ofertam quando me param na rua ou em outro lugar para fazer comentários elogiosos.

Algum tempo depois, o rapaz voltou e emendou: “Me acabei rindo com aquela do sinaleiro. É verdade mesmo?” Sorri, sem mostrar muito os dentes, e respondi automaticamente que sim.

Agradeci mais uma vez e me mantive no mesmo lugar onde em instantes senti a pele aveludada dos pêssegos. Depois pensei que eu deveria ter dito outra coisa, algo como: “Não totalmente, mas tudo passa a ser verdade na proporção daquilo em que acreditamos.”

Written by David Arioch

outubro 22, 2016 at 5:11 pm

O Papai Noel e o muçulmano

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Na entrada do mercado, uma criança veio em minha direção e me cutucou. Sem entender, perguntei se ela queria alguma coisa. “Por que você pintou a barba de preto, Papai Noel? Por quê? Por quê?” E o tom de voz da criança crescendo e ficando cada vez mais estridente, revelando irritação.

Constrangido, e notando algumas pessoas me observando, senti um alívio quando a mãe da criança se aproximou a passos céleres. A mulher se desculpou, pegou a filha pela mão e partiu. Mais adiante, ainda ouvi um princípio de conversa entre as duas: “Ele não é papai noel, filhinha. Ele é muçulmano, e muçulmanos não gostam de Papai Noel!”

Written by David Arioch

outubro 20, 2016 at 10:28 pm