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No estacionamento
Um dia, no estacionamento do mercado, uma mulher arremessou uma embalagem pela janela. Como ela ainda não tinha saído do lugar, caminhei até lá, inclinei meu corpo, peguei o lixo sem falar nada, coloquei no meu bolso e continuei andando. Olhei brevemente para ela e não me recordo de já ter visto outra pessoa tão constrangida em situação semelhante.
O homem e o carrinho
No mercado, vi um senhor fazendo um esforço hercúleo para empurrar um carrinho abarrotado de carne. Havia tanta carne que por um momento ele parou de empurrá-lo. Em seguida, enxugou o líquido viscoso que escorria de um dos sacos de carne, lambuzando sua mão direita. Seu carrinho não era o único na mesma situação.
Antes que eu me afastasse, um de seus filhos se aproximou e o questionou se não havia carne demais no carrinho. Incomodado, o homem respondeu, num paradoxo ruidoso: “Carne é vida. Melhor sobrar do que faltar.” Por outro lado, ele sentia-se desconfortável porque uma de suas mãos estava grudenta. Sem velar a expressão de repulsa, na tentativa de limpá-la, ele acabou esfregando a mão em uma porção de belas laranjas.
Em menos de minuto, algumas testemunhas se aproximaram e viram as laranjas manchadas pelos glutinosos vestígios de carne. Então reclamaram: “Que sujeito nojento! Eu que não pego essas laranjas!” E partiram empurrando seus carrinhos cheios de peru, tender, pedaços de carne bovina e bandejas de presunto.
Perto do departamento de bebidas
Perto do departamento de bebidas do mercado, um rapaz distraído esbarrou o apoio de mãos do carrinho em um expositor de bebidas. Muitas garrafas de vidro foram ao chão, ecoando barulheira que foi percebida ao longe, a julgar pelas dezenas de olhares. As pessoas poderiam ser mais empáticas em situações como essa e tentar pelo menos disfarçar, desviar os olhos. Mas, como sempre, continuaram o observando e provavelmente até o julgando. Isso é muito chato.
“Aquele rapaz deve ser turco”
Assim que saí da academia, passei no mercado e fui até a sessão de frutos secos. Comecei a analisar pacientemente o damasco e as tâmaras secas. De repente, ouvi uma moça conversando com uma amiga. Elas pareciam cheias de dúvidas, a julgar pelo tom de voz, que não era tão baixo. Logo uma delas falou para a outra, como se eu fosse incapaz de ouvi-las: “Aquele rapaz deve ser turco. Pergunte pra ele se aquele figo branco seco é autêntico mesmo.”
9 de novembro de 2016.
No caixa rápido
Na fila do caixa rápido, um idoso estava na minha frente com sua esposa. Quando perguntei sua idade, ele me contou que tem 93 anos e sua senhora tem 92. De estatura baixa e silenciosos, os dois pareciam inexistir para toda aquela gente. Como a fila do caixa preferencial estava longe e também não era pequena, caminhei até o rapaz que encabeçava a fila do caixa rápido e pedi para ele deixar o casal passar. Todo mundo ficou me olhando, mas não notei nenhuma expressão de reprovação ou comentário negativo.
Logo o casal atravessou a fila carregando uma cestinha e uma bolsa ecológica. Depois que saíram do caixa, o senhor colocou a bolsa no chão, limpou as lentes do óculos, ergueu o braço e sorriu, me cumprimentando mais uma vez. Lá fora, assisti ele abrindo a porta do carro para sua esposa. Ela entrou, ele perguntou se ela estava confortável, deu-lhe um beijo na fronte e fechou a porta. Então os dois partiram em um carro que atrás trazia um adesivo escrito “Abrace a vida mesmo quando ela não puder abraçá-lo”.
O Papai Noel e o muçulmano
Na entrada do mercado, uma criança veio em minha direção e me cutucou. Sem entender, perguntei se ela queria alguma coisa. “Por que você pintou a barba de preto, Papai Noel? Por quê? Por quê?” E o tom de voz da criança crescendo e ficando cada vez mais estridente, revelando irritação.
Constrangido, e notando algumas pessoas me observando, senti um alívio quando a mãe da criança se aproximou a passos céleres. A mulher se desculpou, pegou a filha pela mão e partiu. Mais adiante, ainda ouvi um princípio de conversa entre as duas: “Ele não é papai noel, filhinha. Ele é muçulmano, e muçulmanos não gostam de Papai Noel!”